Tripé macroeconômico

Tríade de políticas econômicas que compõem o Tripé Macroeconômico

O tripé macroeconômico foi um modelo de política econômica adotado no início de 1999, primeiro ano do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso na Presidência da República, que consiste em três pilares que norteiam as políticas cambial, fiscal e monetária: câmbio flutuante, metas fiscais de superávit primário e metas de inflação. O tripé macroeconômico foi base da política econômica do governo Fernando Henrique Cardoso e do governo Lula.[1][2]

Segundo alguns economistas, o tripé foi abandonado no governo Dilma Rousseff e deu lugar à chamada nova matriz econômica. Dilma, contudo, contestou essa afirmação.[3][4][5] Posteriormente, no governo Michel Temer, o tripé foi retomado, segundo o economista Maurício Oreng.[6]

Contexto histórico e origem

"Milagre econômico" e crise da dívida

Durante o período do milagre econômico, entre os anos 1968 e 1973, o Brasil vivenciou um grande crescimento econômico, impulsonado pela implementação de várias obras de infraestrutura do governo. Nesse modelo de desenvolvimento, os projetos de investimento eram sustentados pela oferta de crédito internacional, o que levou a um aumento expressivo do endividamento externo. Com o advento dos choques do petróleo, em 1973 e 1979, os Estados Unidos elevaram os juros do mercado internacional, encarecendo a dívida externa do Brasil, dado ela que era pós-fixada.[7]

Plano Real

Devido a crise da dívida, o Brasil sofreu com surtos hiperinflacionários entre 1980 e 1990. Após várias tentativas de estabilização,[8] a hiperinflação chegou ao fim com o advento do Plano Real, em 1994. Este era sustentado em um regime de bandas cambiais. Isso significa que o governo ancorava um valor para o dólar em relação ao real e o Banco Central se encarregava de realizar constantemente operações financeiras no mercado de câmbio para que a moeda brasileira se mantivesse no mesmo patamar de valor. A principal forma de fazer isso era com a venda direta de dólares no mercado. Em paralelo a isso, a taxa de juro era elevada para atrair capitais externos.[7]

Mudança de regime cambial e implementação do Tripé macroeconômico

Uma sucessão de crises externas, como a Crise do México, a crise dos tigres asiáticos e a Crise da Rússia em 1998, se refletiu na fuga de capitais em economias emergentes. Para que o câmbio não ultrapassasse o teto fixado em R$ 1,32, o Banco Central intensificou suas ações na venda de dólares no mercado, fazendo com que as reservas internacionais chegassem a níveis críticos, atingindo um patamar de 24,45 bilhões de reais em 1999.[9][10] Concomitante a isso, os encargos da dívida pública deterioravam o quadro fiscal do país devido ao juro excessivamente alto. Tais desdobramentos levaram a uma reformulação na condução da política econômica, originando assim o Tripé macroeconômico. O plano foi encabeçado pelo economista Armínio Fraga, que havia sido nomeado presidente do Banco Central em março de 1999, e alterou a gerência da taxa de câmbio e de juro no país.

O que se tem hoje é uma mudança que dá à taxa de câmbio uma função diferente da função que ela tinha antes. Antes o Governo dizia para a taxa de câmbio: ‘Você toma conta da inflação.’ e dizia para a taxa de juros: ‘Você toma conta do balanço de pagamentos.’, que é um regime de taxa de câmbio fixa. Hoje nós estamos escalando o time de forma diferente. Nós estamos dizendo para taxa de câmbio: ‘você toma conta do balanço de pagamentos’ e para taxa de juros: ‘você toma conta da inflação’. Agora, nada disso funciona sem uma boa política fiscal.[11]
— Armínio Fraga, em entrevista ao programa Roda Viva, 14 de junho de 1999

Pilares

Em linhas gerais, o Tripé macroeconômico foi uma combinação de políticas monetária, cambial e fiscal apoiada em três pilares.[12]

  1. Metas fiscais – Com elas, o governo se compromete a respeitar determinado patamar de gastos e receitas.
  2. Câmbio flutuante – Segundo este regime, o preço da moeda nacional em relação à americana no mercado de câmbio varia conforme a dinâmica da oferta e procura no mercado. Esse modelo entrou em vigor para neutralizar o déficit em conta corrente, que chegou a 4,5% do PIB em 1999, e reequilibrar o balanço de pagamentos através da desvalorização cambial.[13] A autoridade monetária eventualmente pode realizar algumas intervenções para atenuar a volatilidade cambial, isto é, alterações abruptas do câmbio, mas sem fixá-lo em algum patamar.[nota 1] Para isso, o Banco Central faz uso de alguns mecanismos, como o swap cambial, leilão de linha e compra e venda direta de dólares no mercado à vista.[10]
  3. Metas de inflação – Nesse sistema, cabe ao Banco Central do Brasil perseguir uma meta de inflação — medida pelo IPCA — pré-estabelecida. Essa meta se situa em uma margem, contendo um centro, um piso e um teto, determinada anualmente pelo Conselho Monetário Nacional. O intervalo de tolerância em relação ao centro normalmente é de 1,5 ponto percentual (p.p.) para cima ou para baixo e, em caso de descumprimento, o presidente da instituição deve esclarecer em carta aberta ao Ministro da Fazenda. O principal instrumento que o Banco Central utiliza para cumprir a meta é a taxa básica de juros (Selic), definida pelo Comitê de Política Monetária (Copom) a cada 45 dias. O sistema foi elaborado para melhorar para as expectativas dos agentes econômicos sobre a inflação futura e, assim, reduzir incerteza na economia.[15] Esse regime foi introduzido na lei como diretriz para estabelecer o regime de política monetária por meio do Decreto n.º 3088, de 21 de junho de 1999.[16][17]

Tripé rígido e flexibilizado

É possível distinguir dois momentos pelos quais o tripé passou durante o governo Lula: o tripé rígido, de 2003 a 2006, e, em seguida, o tripé flexibilizado.[18] A flexibilização do tripé teve por objetivo "conciliar a estabilidade macroeconômica obtida com o “tripé rígido” ao mesmo tempo em que abria espaço para um estímulo maior ao crescimento econômico pelo lado da demanda agregada". Foi parte de um pacote de medidas para reagir aos efeitos recessivos da crise de 2008.[19]

Opiniões

Muitos economistas de matriz ortodoxa são favoráveis ao tripé macroeconômico, associando a evolução nos indicadores fiscais e sociais, bem como o aumento na confiança dos investidores e credores no governo Lula ao seu cumprimento e a crise econômica de 2014 ao seu abandono no governo Dilma Rousseff. [20] Por outro lado, alguns economistas de vertente desenvolvimentista são críticos ao tripé, alegando que ela limita o papel anticíclico do Estado, resultando em baixos índices de crescimento ao longo do tempo, além de aprofundar o processo de desindustrialização causado pela apreciação cambial, que prejudica a competitividade das manufaturas brasileiras.[21][22]

Ver também

Notas e referências

Notas

  1. Esse sistema é chamado de "flutuação suja"[14]

Referências

  1. «O que é o tripé macroeconômico. Ele ainda existe no Brasil?». Nexo Jornal. Consultado em 7 de junho de 2019 [ligação inativa] 
  2. «Tripé macroeconômico: Descubra o que é e como ele teve início no Brasil». www.sunoresearch.com.br. Sunoresearch. Consultado em 11 de junho de 2019 
  3. «Dilma abandonou tripé macroeconômico em 2015, diz relator do TCU». Valor Econômico 
  4. «Do Tripé Macroeconômico ao Fracasso da Nova Matriz» (PDF). Consultado em 29 de dezembro de 2021 
  5. «Dilma diz que seu governo nunca "abandonou" o tripé macroeconômico». Portal EBC 
  6. «Temer acertou rumo da economia, mas falhou em não aprovar reformas». Folha de S.Paulo. 23 de dezembro de 2018. Consultado em 8 de janeiro de 2020 
  7. a b «Tripé macroeconômico: o que é e qual a sua importância». InfoMoney. 31 de agosto de 2023. Consultado em 23 de junho de 2024 
  8. «Planos de combate à inflação no Brasil - Economia». InfoEscola. Consultado em 8 de junho de 2020 
  9. G1/Globo.com. «Reservas internacionais do Brasil batem recorde histórico». Gazeta do Povo. Consultado em 26 de junho de 2024 
  10. a b G1, Alexandro MartelloDo; Brasília, em (24 de setembro de 2015). «Entenda: swap cambial, leilão de linha e venda direta de dólares». Economia. Consultado em 25 de junho de 2024 
  11. Roda Viva (22 de maio de 2016), Roda Viva | Armínio Fraga | 14/06/1999, no minuto 44:00–44:30, consultado em 25 de junho de 2024 
  12. «Tripé macroeconômico - O que é, como funciona, origem, variáveis». Edital Concursos Brasil. Consultado em 8 de junho de 2020 
  13. «Reservas Internacionais Ótimas de um País. Um Estudo do Caso Brasileiro». Setembro de 2007. Consultado em 26 de junho de 2024 
  14. «Flutuação Suja - Glossário». The Capital Advisor. Consultado em 25 de junho de 2024 
  15. «Banco Central do Brasil». www.bcb.gov.br. Consultado em 8 de junho de 2020 
  16. suportepress (4 de novembro de 2016). «Tripé macroeconômico: o que é | Politize!». Consultado em 26 de junho de 2024 
  17. «D3088». www.planalto.gov.br. Consultado em 26 de junho de 2024 
  18. Marcus Ianoni e Patrícia Cunha, Coalizões e política macroeconômica nos governos Dilma: do tripé flexibilizado à volta do tripé rígido
  19. José Luis Oreiro, Crescimento e Regimes de Política Macroeconômica: Teoria e Aplicação ao Caso Brasileiro (1999-2011)
  20. Ilan Goldfajn, Nota do Presidente Ilan Goldfajn sobre o cenário econômico da década de 2000
  21. «'Tripé' macroeconômico deve ser abandonado para retomar o crescimento - 07/12/2013 - Mercado». Folha de S.Paulo. Consultado em 8 de junho de 2020 
  22. Nassif, André; Nassif, André (Setembro de 2015). «As armadilhas do tripé da política macroeconômica brasileira». Brazilian Journal of Political Economy. 35 (3): 426–443. ISSN 0101-3157. doi:10.1590/0101-31572015v35n03a03. Consultado em 8 de junho de 2020 
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